sábado, 1 de março de 2008

Irradiando a Liberdade

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Em 1997, vivi uma das maiores emoções da minha vida profissional. Apesar de estar trabalhando no Brasil na época, encontrava-me aqui na França na ocasião do congresso da SFP que comemorava o primeiro centenário da descoberta da radioatividade. Neste, que foi realizado na mítica Sorbonne, tive a oportunidade de assistir a uma conferência do prêmio Nobel de Física Gilles de Gennes e, principalmente, de visitar os laboratórios onde trabalhou Marie Curie, que descobriu juntamente com seu marido Pierre Curie e com Becquerel, a radioatividade natural.

Quando a Lunna propôs esta blogagem coletiva para falar das realizações de mulheres que marcaram sua época ou a história, pensei imediatamente nela. Pois ela foi a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, e é a única mulher a ter ganhado dois, um de Física e um de Química. Foi também a primeira mulher a obter uma cátedra de ensino superior na França, sem falar nas suas realizações científicas e em seus esforços para construir o Instituto do Rádio, para tratar os doentes de câncer. E é também a única mulher que jaz no Panthéon, o mausoléu dos homens ilustres franceses.

E no entanto sua vida não foi fácil. Nascida na Polônia, filha de pais professores, que sofreram problemas financeiros decorrentes da perseguição sofrida devido ao patriotismo, numa época em que a Polônia era ocupada pelo Império Russo, ela perdeu sua mãe quando tinha apenas 10 anos de idade. Mas sempre perseverou nos estudos e com brilho, chegando mesmo a freqüentar uma faculdade itinerante clandestina, pois os estudos superiores eram proibidos às mulheres. Fez uma pausa de 5 anos nestes, para trabalhar e pagar as despesas de sua irmã, que havia partido a Paris estudar medicina. Quando esta se formou, a chamou para vir para a França, onde Marie se licenciou em Matemática e Física, começando sua carreira como pesquisadora .

Foi então que ela conheceu Pierre Curie que se tornou seu marido. Após o nascimento de sua primeira filha, ela começou um doutorado sobre os materiais urânicos, que a conduziram à descoberta da radioatividade natural. Ela realizava estas pesquisas primeiro em um depósito, em seguida em um galpão de madeira, sem o menor conforto, com equipamentos rudimentares para a época.

Marie perdeu seu marido em 1906, atropelado por um carro puxado por cavalos. Nesta ocasião, o governo francês propôs à Marie e às suas 2 filhas uma pensão alimentar. Marie a recusou, dizendo que preferia trabalhar para sustentar sua família. Mais tarde foi designada para o posto de professor na cátedra que fora ocupada por seu marido se tornando assim a primeira mulher a obter um cargo semelhante na França.

Em 1911 foi condecorada com seu segundo prêmio Nobel, desta vez de Química, por ter isolado o rádio, determinando assim seu peso atômico.

Durante a guerra ela não hesitou a partir ao "front" com seu equipamento e tendo sua filha como ajudante para tirar radiografias dos soldados feridos. Na volta, seu nome estava consagrado principalmente fora da França, e então ela partiu para os Estados Unidos para angariar fundos para a construção do Instituto do Rádio.


Marie morreu em 1934 de leucemia, resultante da exposição à radioatividade. Sua filha e seu genro continuaram suas pesquisas, e também receberam prêmios Nobel por seus trabalhos.


Eu a considero um exemplo de desprendimento, de perseverança e de coragem. Pois ela não hesitou a se sacrificar para ajudar a irmã a fazer seus estudos, nem a partir para a Guerra com sua filha. Não se deteve diante das proibições do Império Russo proibindo as mulheres de estudar, nem das condições precárias que encontrou quando começou suas pesquisas. Não se acomodou diante da pensão oferecida pelo governo.. E sempre superou o preconceito por ser pobre (na Polônia, na sua juventude), por ser estrangeira e por ser mulher, que teve de enfrentar tanto para a nominação do Prêmio Nobel quanto na ocasião de sua nominação na Sorbonne.


Graças a mulheres assim que hoje podemos trabalhar e nos realizar profissionalmente, pois elas elas provaram sua capacidade, abrindo caminho para as conquistas femininas, não contra os homens, mas ao lado deles.





Observações :


A radioatividade, assim como todas as descobertas humanas, foi usada para fins bélicos, como as terríveis bombas atômicas, ou inadequados, como o seu uso nos cosméticos. Mas ela possui também uma ampla utilização na produção de energia elétrica, na medicina, e em vários processos industriais.

Outras mulheres marcaram a história da radioatividade : Irène Joliot-Curie, filha de Marie Curie, que descobriu a radioatividade artificial. E Lise Meitner, que foi a primeira a explicar teoricamente a fissão, que permite a produção de eletricidade nas usinas nucleares...mas que ficou tristemente conhecida como "a mãe da bomba atômica".

Na época que Marie Curie viveu a mulher não tinha direito ao voto na França, isto só aconteceu em 1949...e até 1970 as mulheres casadas que quisessem trabalhar precisavam fornecer uma autorização assinada pelo marido!

Veja também :

Biografia detalhada de Marie Curie (em inglês)
Manuscrito de Marie Curie
Institut Curie

Música : Chopin (Polonaise in Flat)


Este post faz parte da blogagem coletiva proposta pela Lunna "Eu Gosto de Ser Mulher".



31 comentários:

Anônimo disse...

Não esperava outra coisa de seu blog, nesta COLETIVA, mas confesso que SUPEROU qualquer expectativa.
Parabéns!
Viver, ler o blog dos amigos, e saber!

Bjs e BOM FIM DE SEMANA!

Ví Leardi disse...

Querida ...concordo totalmente com o Eduardo...desta vez vc se superou...se é que dá....!

Beleza de apresentação, clareza de texto, pertinência e importância do assunto,um espetáculo.
Mil parabéns...e repito aqui......

Viver, ler o blog dos amigos, e saber...que delícia...

P.S Não soube desta iniciativa de blogagem,se não teria participado com prazer.Fica para dia 8...Mil beijos.

Anônimo disse...

Maria Augusta, eu ano sbaia de anda disso.
Belo exemplo de mulher.

Um beijo

Meire

Só- Poesias e outros itens disse...

Que explêndido post. Adorei conhecer esta personagem histórica.
Sua vida e seus feitos.
Maria Augusta, você é muito cuidadosa e sensível, não canso de dizer... e repito que o seu empenho é um grande exemplo.
Parabéns.

bjs.

Ju gioli

sonia a. mascaro disse...

Um post magnífico, Maria Augusta! Gostei muito do seu texto tão bem escrito e informativo e de sua pesquisa primorosa! Obrigada pelos links também!

PS: Obrigada pela visita ao post dos "signs". Não sabia que o "barrado" na França era sinal de permitido! Bem curioso... Acabei de fazer o updated com uma placa de "cuidado" que tenho na minha cerca e havia esquecido de fotografar. Um ótimo final de semana!

Aninha Pontes disse...

Maria Augusta, taí meu bem um belo texto para fazer parte também da blogagem coletiva no dia 8.
Mulheres assim, é que nos fazem sentir orgulho de sermos do mesmo sexo, de sermos fortes, de sermos gente com dignidade.
Parabéns pelo post, está maravilhoso, claro, informativo, enfim, cumpriu a missaõ.
Um beijo e bom domingo.

Anônimo disse...

maria,

este seu excelente post tem, na verdade, duas facetas raras: fala de uma mulher brilhante e fala de ciência. embora o primeiro assunto - a mulher - seja mais comum de ser encontrado, nem sempre o foco principal é a capacidade intelectual da personalidade tratada. quanto ao segundo assunto - a ciência - esta, ó pobre, é mais maltratada do que a mulher, além de existir um enorme preconceito contra ela. no entanto, voce tratou ambos os assuntos com grande habilidde.

apenas uma nota, sem querer desmerecer mme. curie. john bardeen ganhou, também dois nobel, os dois em física. o primeiro em 1956 e o segundo em 1972.

ps: tenho tido problemas com relação aos meus comentários. depois de os escrever, acabo não conseguindo enviar para publicação. creio que são problemas meus, não seus, ou do blogger. e perco tudo... espero que tudo saia bem dessa vez

Anônimo disse...

Eduardo, obrigada, adorei fazer este post, como trabalhei muitos anos na área nuclear, ela é minha "ídola". Um abraço.

Vi, como tema da blogagem eram as realizações femininas, Marie Curie é um prato cheio, pois é um verdadeiro monumento da ciência.
Um beijo.

Meire, tem razão, ela era batalhadora e generosa, um verdadeiro exemplo como ser humano.
Beijo.

Anônimo disse...

Ju, obrigada pelas gentis palavras. O nome dela é muito conhecido nos livros (ou aqui no nome das ruas), mas do ser humano atrás da cientista, poucos conhecem a história, fiquei contente por ter a oportunidade de contá-la. Um beijo.

Sonia, teu post sobre os "signs" está muito interessante. Pois é, o "barrado" aqui quer dizer o fim da proibição, tem um que é círculo preto barrado, quer dizer "fim de todas as proibições"...Beijo.

Aninha, farei um outro post para dia 8, pois o tema é mais direcionado para a mulher brasileira, seus problemas e reivindicações. Um beijo.

Gilrang, obrigada pela observação, ela já esta incluída no texto. Realmente a mulher raramente é lembrada pelo seu cérebro e a ciência é vista como um bicho de sete cabeças.
Não me espanta que você tenha problemas com o Blogger, parece que isto acontece sempre aí, aqui não tenho este problema, deve ser um outro "server".
Um abraço.

Luma Rosa disse...

Marie Curie passou essa independencia e garra para os seus descendentes. Ano passado morreu a outra filha de Marie Curie, Eve Curie com 102 anos, que escreveu a bibliografia de sua mãe "Madame Curie". Ela foi correspondente de guerra, dirigia ambulâncias na Itália durante a Segunda guerra mundial, dirigiu o jornal Paris-Presse e foi assessora da OTAN.
Imagino que se não fosse a radioatividade e consequentemente tanto amor ao trabalho, Marie Curie teria vivido tanto quanto sua filha.
No Reino Unido, um dos mais importantes centros de tratamento do câncer, recebe o nome de Marie Curie.
Maria Augusta, você fez uma excelente escolha. Não poderia ser melhor! E como sou uma mulher de frases, deixo aqui uma das que Marie Curie proferiu:
“Nada na vida deve ser receado.
Tem apenas que ser compreendido”

Luma Rosa disse...

Ah, esqueci! Beijuzinhos em tu!

Anônimo disse...

Magnífico post. Este superou todos. Acho que sua escrita, a música, a história desta mulher. fiquei emocionada. Sabe onde me remeteu também ? Quando, em 1992, eu tive o enorme privilégio de passar uma temporada em Paris. Lembrei da voz do metrô dizendo "estação Marie Curie". E eu, só agora, com este post, vim saber quem é esta que dá nome a tal estação. Abs. Liniane

Anônimo disse...

Maria Augusta,

muito bom ler um post assim, focado no trabalho e na luta de Marie Curie, que merece todas as homenagens.
Parabéns!

Beijo da

Vivina.

Anônimo disse...

O post, Marie Curie e Maria Augusta. Acho que foi este conjunto que me fez escrever hoje. Milagre: tenho um novo post no Vivenda. Se tiver tempo, apareça por lá. abs.
Liniane

Larissa Hardt disse...

Oi, Maria Augusta. Hoje já estou encerrando o dia, mas fui ver o blog, só pq fico com saudade e curiosa de saber se tem alguém me visitando. Aí vi sua msg lá. Obrigada. Estou tentando levantar a poeira e até tenho conseguido. Só que tem dia que é muito mais difícil. Fiquei feliz com a mensagem.

Larissa

Anônimo disse...

Luma, obrigada por estes complementos sobre a outra filha de Marie Curie, Eve, menos conhecida que a Irène, mas também uma grande mulher. Em Paris também, o Instituto Curie, que foi criado por Marie Curie com o nome de Institut du Radio, trata as crianças com câncer e faz pesquisas sobre esta doença. Quanto à célebre frase de Marie Curie, fico pensando se ela tem razão ou não, acho que se deve recear o uso que será feito das descobertas...

Liniane, verdade que há muitas ruas e estações "Marie Curie" ou "Pierre e Marie Curie". A música é de Chopin, que também é polonês, e é uma de suas "Polonaises", eu a coloquei em homenagem ao seu país de origem.
Teu post no Vivenda sobre Ingrid Bettancourt é muito oportuno e está muito bom. Um beijo.

Vivina, obrigada pela visita e pelas palavras. Um abraço.

Maria Augusta disse...

Larissa, espero que você melhore logo e nos brinde com teus posts tão bem interessantes e bem escritos. Um beijo.

Luma Rosa disse...

Maria Augusta, você não tem jeito!!
Me inspirou um postezito! Vá lá! Bom dia!! Beijus

Unknown disse...

Maria Augusta, lá na Luma eu afirmei que, a humanidade deixou de caminhar léguas e léguas pelo simples fato de manter as mulheres em segundo plano. Um tempo demasiadamente enorme perdido.

Ótimo post querida

Ví Leardi disse...

Maria Augusta voltei para reler com calma e acabei ficando ao som deste divino Chopin e sua Polonaise...
Que linda escolha ..
beijos

Lunna Guedes disse...

Comecei lendo no reader e terminei aqui, com aquela sensação de proximidade que os blogs nos permitem.
O que me encanta nesse caso é sempre a simplicidade do ato, por isso sigo dizendo que muitas mulheres em silencio fazem mais barulho.
Obrigada por está pérola minha cara. Abraços meus.

Anônimo disse...

maria augusta querida, o seu post me encheu os olhos de lágrimas. eu te falei sobre o meu projeto, que está avançando, mas às vezes me assusta. este seu post foi uma resposta de Deus para mim hoje. obrigada.

Maria Augusta disse...

Luma, genial e histórico teu post. E muito obrigada por ter citado este aqui lá. Beijos.

Ronald, as mulheres eram e ainda são olhadas com preconceito em muitas profissões. Como você disse, juntos pode-se ir tão mais longe. Um abraço.

Vi, obrigada por ter voltado a este post, a "Polonaise" de Chopin é deliciosa, né? Beijão.

Lunna, quando você propôs a coletiva pensei logo em Marie Curie, legal ter esta oportunidade de falar nela. Grande beijo.

Teresa, entendo tuas preocupações, estou firme na torcida para que teu projeto dê certo. Beijão.

Anônimo disse...

Maria Augusta, tua participaçao foi um sucesso total, so' se fala do teu post na blogosfera.
bjs

Anny disse...

Bom dia, Maria Augusta.
Que post maravilhoso. Muito bom mesmo. Parabéns.
Abraço.

Anônimo disse...

Lindo post ! Bom, eu nao preciso nem falar que sou fa da Curie ne ? Como fisica e astronoma, nao poderia ser diferente.

Um abraco,
Lys

Celia disse...

Muito interessante seu post amiga. Gostei muito. Bj

Isabel Filipe disse...

Olá Maria AUgusta,

Foi bom recordar a vida de M. Curie ... essa grande mulher ...

Vim agradecer a tua visita lá no meu sitio e as palavras que me deixaste ...

espero que voltes ... a casa é tua e a porta fica aberta ...

eu voltarei aqui sem dúvida ...

beijinhos

Maria Augusta disse...

Meire, acho que foi um sucesso porque escrevi este post com muito prazer e isto foi transmitido aos visitantes. E também porque a Luma e a Samantha o divulgaram. Fiquei contente também porque ele inspirou outros posts, como o da Luma e o da Liniane, esta falando de Ingrid Betancourt. Beijo.

Anny, muito obrigada pela visita e pelas gentis palavras. Um beijo.

Lys, realmente você é do ramo, e conhece bem a importância dela. Obrigada pela visita. Um beijo.

Maria Augusta disse...

Celia, que bom que você gostou. Beijos.

Isabel, que bom receber tua visita, pode contar comigo para ir te visitar sempre, teu blog é lindíssimo. Um abraço.

Osc@r Luiz disse...

Nossa! Como eu perco as coisas...
Se eu tivesse lido aqui antes, claro que já teria colocado um link pra cá no meu post de ontem.
Mas nunca é tarde...
Vou fazer isso AGORA!
Um beijo!