terça-feira, 11 de setembro de 2007

A Lenda de Kalidasa



Segundo a lenda, Kalidasa foi um pastor ignorante que se apaixonou por uma princesa e que, por meio de um complô, conseguiu desposá-la. Para obter o perdão, ele suplicou à deusa Kali de receber o dom da inteligência, que lhe foi concedida, e se tornou assim o mais renomado poeta e dramaturgo da literatura sânscrita, tendo inspirado Lamartine e Goëthe. Na realidade, supõe-se que ele viveu no século V da nossa era no norte da Índia e era uma das "nove pérolas" (nove sábios) do corte do rei de Ujjayini.


Eu o descobri há algumas semanas, lendo a revista "Le Point", onde deparei com a crítica sobre o livro "A Nuvem Mensageira" seguida pela "As Estações" de Kalidasa. O artigo citava algumas frases do livro, fiquei encantada e pensei : "Internet, prá que te quero?" Encomendei-o imediatamente e dois dias depois ele estava nas minhas mãos : um livro fininho, sem nenhuma imagem, sempre uma página em francês acompanhada do original em sânscrito, e enormemente de anotações do tradutor, pois segundo ele, devido à diferença cultural e à época no qual foi escrito, muitos trechos precisavam de explicação. Não muito encorajador, mas comecei a ler...


Ele começa com a "A Nuvem Mensageira", um poema de 111 estrofes, no qual um Yaksa (espécie de gênio ou semi-deus), exilado nas montanhas da Índia Central longe de sua esposa, que ficou na cidade de Alaka no norte do país, vê uma nuvem que paira sobre a montanha, e a encarrega de levar notícias suas à amada. E a descrição do caminho que fará a nuvem até chegar à morada de sua esposa é repleto de poesia louvando a beleza da natureza e o prazer de usufruir desta paisagem. Lendo-o, compreendi porque não havia imagens no livro, o texto é tão expressivo que elas não são necessárias. Espero ter encontrado as palavras apropriadas na nossa língua para transmitir toda a poesia que emana desta descrição, e fazê-los viajar com esta nuvem sobre os campos, templos e palácios até os confins do Himalaia, nestes extratos que coloquei aqui...




A Nuvem Mensageira (extratos)
Kalidasa

(passe o mouse sem clicar sobre as palavras sublinhadas para conhecer o significado)

Escute agora,ô, nuvem, que eu te explico o caminho que deve ser seguido. Você prestará bastante atenção. Eu vou te dizer sobre quais cumes, você, extenuada pelo cansaço irá posar, os rios dos quais, exaurida, você beberá a água doce.

Eu posso prever, minha amiga, que apesar do teu desejo de ir depressa para encontrar minha bem-amada, você passará algum tempo sobre todas estas colinas perfumadas pelo jasmim. Acolhida pelos pavões com os olhos úmidos cujos gritos te desejam as boas vindas, decida-se a deixá-los sem mais tardar.

Quanto teu cansaço passar, continue teu caminho, regando os jardins com tuas gotas d'água fresca, os botões em cachos dos jasmins nascidos às margens do Vannadi, derramando por um instante tua sombra familiar sobre os rostos das moças que colhem as flores que enrugam e murcham, a secar o suor de suas faces, os lotus de suas orelhas.

Seria te desviar caminho que deve ser seguido em direção ao Norte; mas não deixe de visitar os palácios de Ujjayini. Seria realmente uma pena não experimentar o charme dos olhos matreiros das citadinas, assustadas ao ver cintilar tuas guirlandas de relâmpagos.

A tua chegada, les Daçarna verão os canteiros de seus jardins se esbranquiçarem de ketaka cujos botões desabrocham; os santuários de suas cidades se encherem de pássaros alimentados pelas oferendas domésticas, ocupados com a construção de seus ninhos; o reflexo azulado dos frutos maduros marcar os bosques de macieiras-rosas e os cisnes viajantes ali ficarem durante alguns dias.

Pousada sobre a colina no gracioso cume do qual te falei, reduza logo de tamanho, para chegar depressa ao tamanho de um jovem elefante; você poderá então, com um dos relâmpago pálido, bem pálido, tal qual o luar de um enxame de vagalumes, lançar um olhar no interior do palácio.

A tendo despertado dum sopro que refrescam tuas gotas d'água, depois de tê-la reanimado com o perfume dos pequenos botões de jasmim, escondendo teus relâmpagos, envie a palavra grave de teu trovão a esta bela tão recatada cujos olhos se fixam sobre a janela estreita onde você se mantem.

"Nas visões do meu sono você aparece e eu estendo os braços no vazio, tentando te segurar com um abraço apaixonado. As divindades da terra, sempre, vendo esta cena não podem conter as lágrimas que, pesadas como as pérolas, descem sobre os galhos das árvores".

"Estas brisas vindas das Montanhas Nevadas fizeram se quebrar bruscamente os brotos sobre os ramos de déodars e correm em direção ao sul, perfumadas pela resina derramada. Eu abro meus braços para elas, virtuosa esposa : se pelo menos elas tivessem tocado o teu corpo!"



Alto da Página

17 comentários:

marilia disse...

Maria Augusta, que coisa linda!
sabe, minha mãe tinha mania de ler um livro, que se chama "o homem que calculava".
Não vou falar agora,por que são recordações ruins, mas esses paises exóticos sempre me pareceram misteriosos...
"A tendo despertado dum sopro que refrescam tuas gotas d'água, depois de tê-la reanimado com o perfume dos pequenos botões de jasmim, escondendo teus relâmpagos, envie a palavra grave de teu trovão a esta bela tão recatada cujos olhos se fixam sobre a janela estreita onde você se mantem'...

amei essa parte da sua tradução do poema...

Obrigada pela visita, e pelo carinho com minha filhota...
ela deve estar descendo em Paris , se Deus quiser, dia 01 de outubro, e acredito que ela e o pai farão uma bela viagem....
se vc tiver alguma dica simpática de Paris, tipo ( uma table boa, sem ser cara, em um quartier qualque, mas que vc já tenha ido..., vou adorar a dica)...
bjos

Anônimo disse...

Parece um belo livro, mas não vi nada sobre o lançamento ou tradução dele para a lingua pátria, aqui.

Osc@r Luiz disse...

Quem diria que a saga de uma nuvem poderia ser tão poética.
Me lembrou um filme que venceu um festival do minuto que simplesmente acompanhava um saco plástico a voar por uma metrópole.
Se não me engano, o livro a que a Marilia se refere era de Malbataã, que era brasileiro.
Beijos, querida. Uma dose de cultura, mitologia, poesia, tudo reunido num único lugar.

Anônimo disse...

Maria Augusta, que bom visitá-la e encontrar um post que amplia a nossa cultura e com uma bela amostra com esse poema da nuvem. Muito obrigado por me oferecer esta oportunidade de aprendizado.

E,aproveitando, deixei uma tarefa para você lá no APOIO FRATERNO.

Abraços,

Mário.

Anônimo disse...

Maria Augusta, lindo. E melhor: em bom português. Obrigado pelo banho de cultura!

Abçs

marilia disse...

maria, eu ia comentar que o mario postou hoje, uma relação de livros "zen', e de auto ajuda, e tb de culturas distantes...
Mas, ele deixou tb recadinho pra vc...
deixou pr'eu tb...
lá vamos nós falar de livros outra vez...eu adoro, então, é um meme que curto!
bjos, e valeu seu email...

Anônimo disse...

Marília, estes países exóticos me fascinam, mas os acho impenetráveis, é difícil compreender os valores e culturas deles. Mas parece que a beleza da natureza é um valor universal, como vemos neste poema. Um beijo grande.

Lino, traduzir do sânscrito não deve ser fácil, principalmente com todas as alusões a lugares que mudaram de nome e a pessoas que não se sabe quem foram. Mas tomara que um corajoso faça a tradução para o português. Um abraço.

Oscar, que bom que você gostou. O livro "O Homem que Calculava" é mesmo do brasileiro Malba Tahan, parece que foi traduzido em várias línguas. Um abraço.

Anônimo disse...

Mario, fico contente em saber que este post te fez descobrir alguma coisa, pois sei que tua cultura literária é enorme. Passarei lá no APOIO FRATERNO para ver a tarefa. Um abraço.

Eduardo, este poema é lindo mesmo. Te garanto que estes trechos não traduzi do sânscrito, mas do francês...Um abraço.

Marília, obrigada pelo recado. Espero que o e-mail que enviei sobre a viagem da tua filhota possa ser útil. Um beijão e um bom dia.

Anônimo disse...

Maira Augusta gosto muito deste tipo de leitura.
Uma pergunta, vc disse q pediu pela internet, que site vc usa?
bjs

O Meu Jeito de Ser disse...

Maria Augusta, além da tarefa do Ma´rio, vi lá na Meire, que ganhou mais uma, que ela deu a mim também.
Então vom conhecer se canto.
Bom, o livro, achei ótimo seu post.
Porque eu nem fazia idéiade que pudesse existir algo assim, como essa lenda, e a gente sai daqui sabendo algo e querendo saber mais.
Dei uma volta por aqui, achei maravilhoso seu álbum de fotos sobre as flores. Como são lindas.
Bom, desculpe invadir assim, ma já passeei e vi quase tudo.
Um beijo

Lunna Guedes disse...

Engraçado, sempre me pego pensando no que as nuvens e o vento podem dizer aos nossos sentidos, talvez aos nossos olhos também. Sempre que sinto aquele arrepio com o passar do vento, fecho os olhos e sinto aquele enternecer doce e forte. Parece meditar em mim uma saudade intensa. E quando faz chover pela paisagem, o sorriso fica solto e liberto como se só então ele pudesse realmente existir.
Adorei seu post e vou eu atrás do livro.
Bacio en tuo cuore cara mia.

Anônimo disse...

Meire, encomendei pelo site amazon, pois chega rapidinho e para este livro nem precisava pagar as despesas de transporte. Bacio.

Aninha, que prazer recebê-la, te conheço lá do "Varal de Idéias". Pode passear à vontade, a casa é sua e volte sempre. Um beijo.

Lunna, o vento, as nuvens, nos levam e nos trazem tantas lembranças e pensamentos, né? Para poetas como você deve ser uma enorme fonte de inspiração.
Bises.

Anônimo disse...

Venho agradecer a visita e, deixo estas três linhas do novo poema , que dedico a todas as mulheres , e a nós homens que as amamos .

"Em fragrância na água cristalina
Gotículas salpicam-na maravilhadas
O sensual corpo de mulher menina"

Continuação de boa semana .

Anônimo disse...

Amiga, acabei de passar um cafezinho la no P&P.
bjs

Anônimo disse...

Barão, muito bonitos teus versos, parabéns e obrigada em nome das mulheres. Bom fim de semana.

Meire, obrigada pelo convite. Beijos.

Karina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Karina disse...

Q lindo! Só poderia vir de um coração q ama e anseia por estar ao lado da pessoa amada ver tantos (e tão belos) detalhes no percurso de uma nuvem.
Bjks