sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A Civilização Perdida da Amazônia

Photobucket

Durante esta semana recebi no noticiário da FAPESP duas notícias sobre a Amazônia que me chamaram a atenção. A primeira dizia "Cai desmatamento na Amazônia"! A primeira vista é animador, mas lendo o artigo constata-se que o desmatamento de 323 km2 do mês de julho é inferior aos 870 km2 do mês anterior...ainda estamos longe do "desmatamento zero"! A segunda notícia intitulada "Amazônia antiga e urbana", eu a achei surpreendente...

Photobucket

Aldeia atual dos índios Kuikuro no Alto Xingu

Ela relatava que equipes de cientistas brasileiros e americanos, com a ajuda dos índios Kuikuri do Alto Xingu, encontraram evidências de que a Amazônia já foi habitada por populações sedentárias que se organizaram em assentamentos de até 5000 pessoas, com represas e lagos artificiais para criar peixes (os atualmente analisados teriam sido formados entre 1250 e 1650). Esta(1) e outras fontes (2,3,4) relatam que estes povos produziram cerâmicas, abriram clareiras na floresta para praticar a agricultura e gerenciaram a floresta de modo a otimizar o equilíbrio entre área plantada, clareiras abertas e mata natural. Logo, afirmam eles, até 10% da floresta amazônica não seria tão virgem assim, mas teria sido manipulada por estes índios pré-colombianos. E que os Kuikuros seriam os descendentes diretos destes povos.

Photobucket

Reconstrução da aldeia da civilização pré-colombiana no Alto Xingu

Estes teriam construídos redes de cidades e vilarejos interconectados por estradas bem projetadas, algumas com 45 m de largura, com uma praça central onde eram conduzidos rituais. Como não dispunham de pedras para construiur como os incas, maias ou os astecas, eles usaram a madeira, a argila, ossos de animais e outros materiais que se degradam facilmente com o calor e a umidade, o que explicaria os poucos vestígios encontrados de sua existência. Eles não praticavam a monocultura, mas plantavam de forma diversificada.

Os vestígios destes povos pré-colombianos na região amazônica são encontrados desde a Bolívia e entram pelo território brasileiro. Escavações realizadas na Ilha de Marajó demonstraram que nela viveu uma comunidade de aproximadamente 100000 pessoas...que deixaram como marca de sua passagem simplesmente alguns cacos de cerâmica...e a floresta intacta e ainda mais luxuriante que em outros lugares, contrariamente ao que acontece quando existem aglomerações humanas. Como isto seria possível? A explicação está na "terra preta dos índios".

Photobucket

Solo comum (esquerda) e solo de terra preta (direita) (5)

Este tipo de terra, que contrariamente ao solo pobre do resto da Amazônia, é muito fértil, ocorre em pequenas "glebas" em lugares onde existem evidências de passagem humana, e se concluíu que ela é de origem antropogênica (criada pelos humanos). Acredita-se que ela tenha sido preparada por estes habitantes pré-colombianos da Amazônia, misturando carvão e ossos de animais para formar um híbrido altamente fértil, o que teria permitido a prática da agricultura na região amazônica. O grande interesse destas pesquisas é sem dúvida entender para tentar reproduzir a forma de interação destes povos com a floresta, na qual viviam sem degradá-la, o que se constitui em um grande passo na direção da sustentabilidade.

Photobucket

Distribuição atual da terra preta legada pelos indios pré-colombianos

A grande pergunta é : "O que aconteceu com estes povos?" Pois como eles viviam principalmente ao longo dos rios, por onde chegaram os europeus, foram em grande parte dizimados pelas doenças trazidas por estes. Calcula-se que 90% da população amazônica desapareceu nos primeiros anos que seguiram o contato com os europeus.

Achei tudo isto muito rico de lições. Em primeiro lugar, se isto for verdade, significa que os seres humanos podem interagir com o meio ambiente sem devastá-lo e mesmo o enriquecendo. Em segundo lugar, fica uma questão "transcendental" : medimos o avanço de uma civilização pelos monumentos, objetos, escritos que elas nos deixaram...mas isto não estaria em conflito com o conceito de "pegada ecológica" pois estas realizações foram feitas às custas da transformação da natureza? Para o planeta Terra, não seria mais interessante estes povos que passaram e o deixaram a natureza como ela é? A civilização seria incompatível com a ecologia?



Este post faz parte da blogagem coletiva comemorativa do "Dia da Amazônia", organizada pelo "Faça a Sua Parte". Para se inscrever e visitar os outros participantes, clique na imagem abaixo :


Faça a sua parte




Fontes :

(1) Amazônia antiga e urbana
(2) Pre-Colombian Amazon tribes lived in susteinable "garden cities"
(3) Um modelo de ocupação sustentável da Amazônia
(4) Pre-Colombian Amazon supported millions of people
(5) The Black Earth of Amazon



20 comentários:

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Oba, primeira mesmo sendo hora do almoco por aqui e hora do café da manha no Brasil!!!)

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Olha, eu nunca imaginei que isso poderia acontecer. De uma civilizacao nao destruir o meio em que vive e principalmente porque naqueles tempos com certeza as necessidades de sobrevivência e exploracao da terra eram enormes.

Penso que o maior marco de aprendizado que eles deixaram para as civilizacoes futura foi exatamente esse: de que é possível ao homem viver na natureza sem destruí-la. Ninguém é dono da natureza, mas todos nós em um conjunto somos responsáveis em mantê-la. E essa civilizacao nos provou isso.

Muito interessantes os links que você deixou por aqui. Depois com mais tempo na semana que vem vou explorá-los, rs.

Bom fim de semana querida, depois respondo ao seu email.

Estamos saindo.


Beijos

Ví Leardi disse...

Maria Augusta,
estas tuas participações,colocam o "Jardin" em,como diz o Eduardo,um patamar a parte.
Ótimas informações sempre com imagens tão pertinentes.Parabéns pala sua dedicação e pesquisa dos últimos posts...um ótimo fim de semana e mil beijos.

Jorge Pinheiro disse...

A Amazónia não cessa de nos surpreender.
A sua questão de fundo não tem resposta unívoca. Pessoalmente acho que andamos à deriva em termos civizilacionais. A linha que acabou por predominar não é amiga do ambiente, porque se baseia no bem estar material que o riqueza monetária proporciona E isso tem sido(e é, vamos ser claros) antagónico da ecologia.
Uma pequena nota: irrita-me a designação pré-colombiano. Melhor seria pré-cabralino. Colombo nunca soube onde acertou, coitado!
Parabéns pela investigação.

Anônimo disse...

Maria Augusta, eu li sobre este assunto na seção Ciência, do Globo de uns dez dias. Lá, porém, não está tão bem explicado como neste brilhante trabalho que você desenvolveu. A exemplo da Georgia, voltarei aqui para explorar melhor esse achado tão surpreendente e interessante. Meus parabéns.
Um abraço. Ótimo final de semana.

Anônimo disse...

Mais uma das formidaveis e didádicas postagens, deste Jardim dos delíciosos, e sábios posts!

Luma Rosa disse...

Então temos uma civilização amazonense? Ao desvendar essa identidade, retornando ao passado e descobrindo onde começaram tantos erros, talvez possamos quebrar a cadeia de destruição. Talvez na época o europeu tenha sido o culpado, mas e agora? O Brasileiro afinal tem que definir qual é o papel dele nesta cadeia e se de fato quer salvar a amazônia. Bom fim de semana! Beijus

sonia a. mascaro disse...

Mais uma vez encontro aqui um post incrível, Maria Augusta, com informações densas, importantes, mas num texto gostoso e objetivo. Fiquei imaginando o que teria acontecido para o desaparecimento dessa população de até 5000 pessoas...

Vou seguir os links que você apresentou. Também não sabia que estava havendo uma blogagem coletiva comemorativa do "Dia da Amazônia", organizada pelo "Faça a Sua Parte". Estes dois post se complementaram, Maria Augusta, já que tratam de reflexões e informações sobre as civilizações e a ecologia.
Beijos!

Allan Robert P. J. disse...

A reflexão é pertinente e oportuna. Podemos, sim, progredir sem interferir [muito] no meio-ambiente, mas só irá acontecer se isso der algum dinheiro.
Triste.

Maria Augusta disse...

Georgia, é verdade, segundo as pesquisas havia cidades "cidades" densamente povoadas em relação às aglomerações indígenas atuais. Parece que a solução que eles encontraram foi a terra preta, cuja fertilidade permitia uma agricultura suficiente para sustentar a população e não empobrecia a floresta. Pena que atualmente não se consegue reproduzi-la...
Beijos.

Vi, obrigada pelo comentário e um bom fim de semana para você também. Beijos.

Jorge, a riqueza monetária é realmente contrária à ecologia, ela considera que "os meios justificam os fins".
Quanto à "pré-colombiano ou "pré-cabralino", é verdade que no Brasil deveríamos adotar o segundo mas o primeiro se disseminou de tal maneira no mundo inteiro, que ficou "consagrado".
Abraços.

Maria Augusta disse...

Adelino, parece que este assunto tem aparecido bastante, desde a publicação na revista "Science" de agosto. O interessante é que na publicação os dois chefes da tribo são colocados como co-autores, o que é inusitado (apesar de justo) em matéria de publicações científicas.
Abraço.

Eduardo, você sempre gentil, obrigada pelo comentário.
Abraços.

Luma, no caso a maior causa da mortandade dos índios com a chegada dos europeus foi a ausência de imunidade contra doenças como a gripe por exemplo.
Mas você tem razão, independente da origem dos problemas atuais, deve-se resolvê-los. Beijos.

Maria Augusta disse...

Sonia, é verdade, estes dois posts se complementam no sentido que no caso de Aldabra, a natureza se exprimiu na ausência de interferência humana e no segundo esta existiu e no entanto a natureza saíu enriquecida, o que é raríssimo.
Beijos.

Allan, é triste mesmo, os valores atuais estão focalizados no ganho imediato, e isto é nefasto para o meio ambiente.
Um abraço.

Só- Poesias e outros itens disse...

Maria Augusta:

é incrível que esta equação matemática: - 20 hectares por minuto de desmatamento, e desencadeando todo esse processo na biosfera, não seja considerado uma discussão importante e fundamental para o planeta!!!!

Parabéns pela sua divulgação.

bjs.

Ju Gioli

Ruvasa disse...

Viva, Maria Augusta!

Excelente post este. É assim que vale a pena estar na Web e, particularnmente na Blogosfera. Esclarecendo, desvendando, ajudando a compreender este mundo. Das mais variadas formas.

Os amazónicos pré-colombianos, como acontecem, aliás com outros povos antigos, parecxem ter tido a presciência e o discernimento necessários para aquilo que se pode chamar de "viver e deixar viver quem vem atrás".

Coisa que nós vamos descurando, mesmo se dermos de barato que a pressão da demografia actual põe problemas que antes nunca se puseram.

Aprecio muito a sua forma de estar on-line.

Ruben

Maria Augusta disse...

Ju, o problema da Amazônia é complexo, falamos sobre ele, mas não sabemos como abordá-lo para contribuir no sentido de ajudar a resolvê-lo...
Um grande beijo.

Ruben, verdade que o modelo de desenvolvimento que adotamos está mostrando seus limites em relação as recursos do planeta, então nos voltamos para o savoir-faire dos antigos para ver como eles negociaram o problema da sustentabilidade. E como você disse, precisamos acrescentar o componente ligado à demografia atual, seja qual for a solução adotada...
Abraços.

Anônimo disse...

Nao fiquei sabendo desta coletiva.
Parabéns pela sua excelente participação.
Bom domingo.

Celia disse...

Marai Augusta mais uma vez, tomei um banho de informacoes. Muito interessante. Uma boa semana pra vc. Deixei uma receita la no nosso blog de comida. Bj

Maria Augusta disse...

Mário, foi uma das coletivas do "Calendário Verde" do "Faça a Sua Parte". Obrigada pela visita e boa semana.

Célia, vou lá ver a receita...
Beijos e boa semana.

Lunna Guedes disse...

Eu ando meio ausente, no máximo comentando nos blogs dos amigos e lendo o reader. Então não me lembrei da postagem. Mas espero voltar ao normal nos próximos dias.
Mas sabe, quando penso em Amazônia, fico indignada com a forma como tratam a questão. O desmatamento, a falta de respeito com a região. O pouco causo com as questões que envolvem a região. É como se fosse apenas mais uma cidade com problemas. Nunca olhei para a Amazônia como se fosse o pulmão do mundo e acho tão absurdo o que acontece lá quanto o que acontece na Mata Atlântica. Muito se fala da Amazônia, mas não muito longe de lá está a Mata Atlântica tendo sua vegetação natural sendo substituída por pinus graças ao cultivo do papel. Nessas horas confesso que não penso na questão do desmatamento como problema para o ser humano. Sinceramente penso comigo, quero que o ser humano se dane. Ele não merece nada disso, porque só pensa sempre no viu metal e no quanto lucrar no momento seguinte. Dane-se o meio ambiente. Dane-se os animais que lá vivem. Lembro quando fiz trilha pela mata Atlântica e me encantei com a beleza que existia lá. Há pouco tempo um amigo ecoturista disse que eu não veria nada mais do que tinha visto há anos atrás e isso me deprimiu. Não conheço a Amazônia. Só sei o que leio e o que vi através de matérias e fotos. A beleza daquele lugar é incrível. Contudo, a beleza é um detalhe para a humanidade. Basta ver tudo que já destruíram.
Concordo com vc, há meios de interagir sem destruir, mas para isso é preciso pensar menos em si e mais nos outros, na condição e situação do outro e como isso leva tempo, o outro meio (a destruição) é mais rápida e eles acham que aquecimento global, falta de ar pura e água limpa é bobagem...
Acho que me estendi. Beijos

AMAZÔNIA INFORMA disse...

OLÁ MARIA AUGUSTA VENHO AQUI PEDIR SUA CONTRIBUIÇÃO PARA DIVULGAR ESTE SITE:
http://amazoniainforma.blogspot.com/
Está floresta e todas estas belezas fazem parte do planeta e precisa de ser preservado.
Conto com você.
abraços