sexta-feira, 27 de abril de 2007

Arte no domicílio


No final de semana passado aconteceu aqui em Nancy um dos eventos do calendário cultural que é um dos meus preferidos : a abertura dos ateliês dos artistas locais ao público, que acontece de dois em dois anos. Nunca perdi um desde que cheguei aqui.


O interessante desta manifestação é a informalidade, nada a ver com uma exposição em uma galeria de arte : entra-se e vê-se os quadros, as esculturas, as maquetes de arquitetura, os álbuns de fotografias em cima da cama, em cima do fogão, dentro das garagens, entre as plantas do jardim, no fundo do quintal, pois muitos ateliês são na própria moradia do artista, que convida 2 ou 3 colegas para expor ao mesmo tempo. Os autores, em geral bastante jovens, sempre presentes e disponíveis, adoram explicar tintim por tintim os detalhes que os levaram à concepção das obras.


Como não tinha muito tempo, limitei minhas visitas ao perímetro em torno do Parque Sainte-Marie, não muito longe de casa, onde existem belas construções no estilo art nouveau. Se que é meio paradoxal ir ver a arte contemporânea em um bairro art nouveau, mas é um canto muito agradável da cidade.


Entre as coisas que me chamaram a atenção este ano, está a obra de uma jovem escultora, Aurélie Charles, que trabalha com a terra e o bronze. Uma de suas esculturas em terra, representava uma mão que atravessa uma moldura de um quadro como procurando alguma coisa "do outro lado". Nos detalhes da mão, viam-se as saliências das veias, a rigidez dos músculos, os detalhes das unhas. E a cor da terra era meio avermelhada, lembrando uma pele bronzeada pelo sol de verão. "Foi feita com a terra de Provence", ela me explicou. E o que significa a obra? "Uma travessia rumo a um outro universo" disse a autora. Me fez lembrar do "Espelho Mágico" do blog cult "La Vie est Belle!".


Um outro artista com o qual conversei longamente foi um jovem desenhista, Matthieu Exposito, cuja série apresentada chamava-se : “Em torno de um copo”. Ele me explicou com entusiasmo seu modo de trabalhar : em Paris, onde mora, ele sai de casa com seu material, entra em um bar e vai desenhando o que vê em torno dele : pessoas conversando, bebendo, lendo...as imagens eram muito expressivas e meio caricaturais.


No mais, vi belas fotografias, uma obra de pintura original, onde paisagens vastíssimas eram reproduzidas em quadrinhos de aproximadamente 15x10 cm. Por outro lado, vi também uma instalação dentro de um quarto escuro na qual não entendi absolutamente nada, só pensei “Com tanto material, como se pode fazer um negócio tão esquisito?”


Depois das visitas, a impressão geral confirmou minha opinião sobre a arte comtemporânea : nesta não existem fronteiras, o limite entre o que é e o que não é artistico é tênue, e é isso que a torna fascinante e surpreendente.



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segunda-feira, 23 de abril de 2007

Droite ou Gauche?


Não voto aqui na França, mas estou completamente contaminada pelo ambiente eletrizante envolvendo a eleição presidencial deste ano.

Primeiramente, os franceses estão de parabéns. A participação (o voto aqui não é obrigatório) no primeiro turno foi enorme, 84% dos eleitores inscritos, o que é um verdadeiro record certamente devido ao medo de que o candidato radical de direita fosse ao segundo turno, como aconteceu em 2002.

Os dois candidatos que passaram ao segundo turno, Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal, ressuscitam o clássico duelo direita x esquerda, no entanto com algumas novidades. Ambos são caras novas na disputa de uma eleição presidencial, e o candidato socialista é uma mulher, fato completamente inédito em um país bastante machista (foi apenas nos anos 40 que as mulheres conseguiram o direito de voto e nos anos 70 que elas puderam trabalhar sem ter que pedir autorização por escrito aos maridos...do século XX, sim senhor). O candidato da direita é filho de um imigrante (apesar de paradoxalmente propor a criação de um Ministério da Identidade Nacional), e ambos são jovens em relação aos presidentes anteriores.

O fiel da balança será certamente o candidato centrista François Bayrou, que com mais de 18% dos votos, captou eleitores de direita e de esquerda. E agora que ele está fora, em quem seus eleitores vão votar? Não se sabe, mas certamente serão eles que decidirão quem será o novo presidente.

O candidato José Bové, citado no post de ontem, ficou em nono lugar entre os 12 candidatos, com 1,32% dos votos.



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domingo, 22 de abril de 2007

A Casa Ecológica de José Bové


Hoje, 22 de abril, é o Dia Mundial da Terra e também dia de eleições aqui na França, logo este post vai tentar unir os 2 temas, falando de uma ação ecológica realizada por um dos candidatos à presidência da república francesa, José Bové.


O polêmico líder altermondialiste, que já foi preso por depredar um McDo e está respondendo a um processo por ter atacado uma plantação que continha OGM, mais uma vez juntou o gesto à palavra, mas agora para construir uma casa completamente ecológica para sua família.


Situada na sua região natal o Larzac e projetada pelo arquiteto Patrick Ballester, a casa de 110 m2 é toda de madeira e vidro, com isolamento térmico de cortiça, teto vegetal, nenhum produto petroquímico na pintura. A arquitetura bioclimática capta ao máximo a luz do sol para transformá-la em energia térmica e a eletricidade é obtida por meio de painéis solares. A descarga do banheiro é do tipo "seca" para economizar água, e o rejeito é usado no jardim como adubo.


A casa foi entregue em kits e montada pelos amigos de José Bové, e seu preço de 120000 euros é 3 ou 4% superior ao preço de uma casa tradicional na região.


E como hoje é também o aniversário da nossa Pátria Amada e estamos falando de construções, vou citar o exemplo da exposição "Reciclasa", no Flamengo, onde uma casa inteira foi construída e decorada utilizando materiais recicláveis, mostrando que no Brasil temos criatividade des sobra para enfrentar os problemas do meio ambiente (G1):


"O material de construção convencional foi substituído por material reciclado. Tubulações são feitas com garrafas plásticas. As paredes são revestidas com tubo de pasta de dente, caixas de leite ou fibra de coco. O chão é feito com pneus. O sofá é forrado com calças jeans."


"A Reciclasa fica na Rua do Pinheiro, nº 10, no Flamengo, na Zona Sul do Rio e a exposição acontece de 20 de abril a 9 de maio."

COMPROMISSO BLOGAGEM COLETIVA Faça a sua parte:

Apresentar mensalmente a tradução ou comentário de um artigo científico da imprensa francesa sobre os problemas do meio ambiente.



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terça-feira, 17 de abril de 2007

Domingo no Parque



Fim de semana difícil! A sogra no hospital, todos com os nervos à flor da pele diante do pouco caso da enfermeira de plantão. Aliás, o tratamento humano dispensado aos pacientes nos hospitais daqui é um caso sério...

O CHR (Centro Hospitalar Regional) onde fomos fazer a visita fica no bairro de Bonsecours, aqui em Nancy, mais precisamente na avenida de Strasbourg. Nesta mesma avenida, não muito longe, há o Parque Olry. Durante uma pausa na visita do hospital, resolvemos dar uma volta por lá para descontrair um pouco, aproveitando o domingo ensolarado.

Este parque não é muito grande, mas é bem simpático e agradável. Soube que ele foi doado à cidade em 1913, por um grande fã das plantas chamado Olry, que morreu sem deixar herdeiros, e que na Idade Média naquele local funcionava um leprosário. O belo portão da entrada data do século XVIII (inicialmente era o portão de um hotel e foi reciclado pois estava destinado à destruição) e é uma obra do célebre arquiteto Boffrand. No interior, as alas sinuosas são ladeadas de grandes árvores frondosas, logo não falta sombra quando faz calor. O parque possui também gramados bem cuidados, canteiros floridos, ponte, quiosque, um romântico chalé de madeira e no pequeno lago pode-se apreciar cisnes nadando.

O interessante é que neste parque pode-se pisar na grama. Então vemos muitas crianças brincando, casais namorando, garotas de biquíni (ou seria sutiã e calcinha?) bronzeando, um público bastante jovem e descontraído, em contraste com os outros parques de Nancy, preferidos pelas pessoas mais idosas. Nos sentamos em um banco e ficamos lá, observando o movimento e sentindo o calorzinho gostoso do sol da primavera, que chegou este ano com temperaturas de verão.

Foi um passeio agradável, apesar das circunstâncias. Pretendo voltar nele quando houver a brocante (feirinha de antigüidades), pois a temporada destas já está começando...Mas como “o jardim é efêmero”, como diz o nome deste blog, saindo de lá voltamos à realidade e ao hospital para continuar a visita.


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sexta-feira, 13 de abril de 2007

Fim de tarde na Praça Stanislas


© Ville de Nancy

Depois de um dia difícil e cansativo, nada como um passeio relaxante na lindíssima Praça Stanislas, em Nancy. Essa praça magnífica, verdadeira obra de arte a céu aberto, é considerada como patrimônio mundial pela UNESCO. Datando do século XVIII, fundada pelo sogro de Luís XV, o ex-rei da Polônia Stanislas, ela abriga a prefeitura, o teatro da Ópera, o museu de Belas Artes de Nancy, tudo formando um conjunto arquitetônico harmonioso com seus fantásticos portões e fontes dourados.

É muito bom se sentar no terraço do Café Foy em um fim de tarde ensolarado e pedir um kir* de amora. Pode-se tomar um kir em qualquer lugar na França, mas até hoje não provei nenhum igual ao do Café Foy da Praça Stanislas. Ele é servido em um copo ovalado, não muito gelado, não muito açucarado, tudo no ponto certo, delícia pura! Depois é só saboreá-lo apreciando o movimento da praça, esta semana tivemos direito a um desfile de carruagem, por conta de um filme que estavam rodando no local.

Se um dia você vier ao leste da França, não deixe de visitar esta praça, vale a pena.

Saiba mais :
Office Tourisme Nancy
Webcam Place Stanislas

*O verdadeiro kir, criado pelo padre Adrien Kir em Dijon, é feito com vinho branco bourgogne aligoté e creme de cassis. Aí vai a receita (1 pessoa) :

9 cl de vinho branco (de preferência o bourgogne aligoté)
2 cl de creme de cassis

Preparar diretamente no copo a servir.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

O Mundo Mágico do Perfume


Há algum tempo fui à uma conferência do “Cercle Garen” cujo tema era os perfumes. Sou membro desta associação dedicada à “art nouveau” (Nancy foi um dos principais polos deste estilo na Europa) e esta apresentação fugia um pouco do centro de interesse do grupo. Mas que boa surpresa! Aprendi coisas magníficas a respeito do mundo do perfume.

Vocês sabiam? Criar um perfume é como compor uma música : ele tem notas, ele tem gamas, acordes, ele tem teclados. E, na terminologia do mundo do perfume, o “Nariz” não é apenas o orgão olfativo, mas é também o nome como é chamada a pessoa que tem o olfato super-treinado e é capaz de identificar as fragrâncias e combiná-las para formar um perfume. Um “Nariz” famoso é o personagem do filme “O Perfume”, baseado no livro do mesmo nome de Patrick Süskind.

Pois é, aprendi que as notas dos perfumes podem ser de três tipos : de cabeça, de coração (ou de corpo) e de fundo (ou de fixação). As notas de cabeça são as mais voláteis, partem logo, são principalmente as notas cítricas. As notas do coração são principalmente as especiarias, as florais, e são elas que definem a personalidade do perfume. As notas de fundo, que permanecem na pele por mais tempo são as fragrâncias como o âmbar, o musgo, as fragrâncias animais. Imagine um perfume como Chanel n° 5. Entre as notas da cabeça temos : bergamota, limão... as do coração tem jasmim, campânula, rosa, íris... e nas notas de fundo temos entre outras sândalo, baunilha, âmbar. O célebre Shalimar tem como nota de cabeça a essência da bergamota, nas do coração a rosa e o jasmim e em notas de fundo o opopanax, a baunilha, a íris e o tonka (fava-cumaru, da Amazônia).

Também achei fascinante a história dos frasquinhos de perfume. Artistas do cristal como Lalique ou a cristaleria de Baccarat, se associaram aos perfumistas criando frascos que são verdadeiras jóias, tão célebres quanto as fragrâncias neles contidas. Este da ilustração a direita foi considerado o mais belo frasco de perfume da sua época. Existem colecionadores que pagam fortunas para obter os frascos mais antigos e mais raros dos perfumes famosos.

Parece que está na moda fazer cursos de descoberta dos perfumes. Aqui na França (principalmente em Paris e em Grasse, capital da perfumaria) existem oficinas de um dia ou mesmo de algumas horas que propõem esta descoberta...se aparecesse um curso assim aqui nas redondezas eu o faria. Porque não? Tenho uma "memória olfativa" muito boa, alguns odores me fazem lembrar pessoas ou situações de forma bastante nítida. Afinal, enchemos nossos olhos com as belas paisagens, deleitamos nosso ouvido com a boa música, procuramos sempre agradar nosso paladar com coisas apetitosas, porque não cultivar também nosso olfato?


Gostaria de saber mais sobre este assunto?

A magia do perfume (em português)
Iniciação ao mundo do perfume (em francês)
Um novo olhar sobre o perfume (em francês, inglês, italiano, espanhol e alemão)
Resposta técnica para a criação de perfumes no Brasil (em português)
 
 
 

quarta-feira, 4 de abril de 2007

O Mundo está se "Brasileirando"?



Pelo menos esta é a tese defendida pelo autor italiano Giuliano da Empoli publicada em um livro chamado "La peste et l’orgie" (versão francesa). Porque ele faz esta afirmação?

Segundo ele, o mundo ocidental não é mais o mesmo desde o fatídico 11 de setembro. Antes desta data os países ocidentais (1), principalmente os Estados Unidos com seu modelo maniqueísta do Bem e do Mal, irradiavam sobre os países da periferia suas idéias e certezas, o mundo estava se "americanizando". E tudo isto ruíu como um castelo de cartas com as torres gêmeas. Desde então, surgiu a era do medo, que estes países sentem em relação ao futuro e à violência. Aí começa sua analogia com o Brasil, onde ele evoca a visão dos mais ricos fechados nos condomínios de luxo cercados de seguranças, com medo de sair às ruas e ser atingidos por uma bala perdida, um assalto ou outro tipo de violência.

Outro argumento que ele evoca para comprovar sua teoria da “brasileirização” é o aumento da desigualdade social trazida pela globalização ao Ocidente. Ele observa que este é um aspecto importante da problemática brasileira e o mundo inteiro estaria caminhando neste direção. Mas por outro lado a globalização teria possibilitado também ao Ocidente, a interpenetração de várias culturas (2), fenômeno comparável à mestiçagem racial e cultural, que o Brasil já incorporou à sua identidade há séculos com sucesso. Diz ainda que a desestruturação da religião enquanto instituição que se observa no mundo ocidental onde se pratica uma religião “à la carte”, cada um adaptando seus dogmas segundo seu interesse pessoal seguiria o caminho do sincretismo religioso, que fez do brasileiro um povo politeísta e fatalista.(3)

Mas o ponto chave de sua teoria de brasileirização do mundo é “o espírito carnavalesco” do povo brasileiro, que estaria se propagando pelo mundo. Esta busca desenfreada do prazer seria segundo ele uma resposta à incerteza quanto ao futuro (4), fenômeno que já foi observado na Europa à ocasião das epidemias de peste, quando houve um aumento das orgias no continente. E este comportamento passional estaria em conflito com o modelo racional, que até então era considerado absoluto, o grau de civilização de uma pessoa sendo mesmo avaliado por sua capacidade de controlar seus impulsos naturais.

Sua conclusão é que a manifestação deste lado passional deve ser incentivada, pois se alguém está alegre e de bem com a vida, não será tentado a seguir movimentos fanáticos e radicais. E que os intelectuais ao invés de condenar as pessoas que se divertem tentando chamá-las “de volta à razão”, deveriam ser menos compreensivos com os terroristas que impõem o medo.


Minha Opinião:

(1) Acho muito engraçado esta apelação de “países ocidentais”, que não tem nada a ver com a geografia. O Japão é considerado um país ocidental, o Brasil não. Na verdade o aue os europeus chamam de "países ocidentais" é o que nós chamamos de “Primeiro Mundo”.

(2) Eles ainda estão bem longe de uma interpenetração de culturas como no Brasil, a prova é a tensão existente nas periferias das cidades européias, onde existem verdadeiros guetos.

(3) Politeísta não, eu diria “multireligioso”. Fatalista, talvez, com ditados como “O que não tem remédio remediado está” ou “Deus dará”, mas um fatalismo pragmático com “Ajuda-te a ti mesmo que Deus te ajudará”.

(4) Não acredito que o amor à vida característico do brasileiro venha da desigualdade social ou seja uma reação ao medo (embora não possamos negar estas duas facetas trágicas de nossa realidade), ela é inata. Não se pode negar que qualquer “menino de rua” brasileiro possui muito mais alegria de viver que qualquer intelectual do “mundo ocidental”.


Eles comentam este livro :
Sommes-nous tous des Brésiliens ? (em português)
Pátria amada (em português)
Nous sommes tous des brésiliens (em francês)